quinta-feira, 5 de junho de 2008

Transporte Coletivo de Passageiros: inconstitucionalidade e ilegalidade da tributação não-cumulativa pelo PIS/COFINS

Na data de 11 de fevereiro de 2008 foi publicado o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 23, que determina que as receitas auferidas por empresas que prestem o serviço de transporte coletivo de passageiros por fretamento ou turístico estão sujeitas à tributação não-cumulativa do PIS/COFINS, diferentemente do que ocorre com as empresas que prestam o serviço de transporte coletivo público de passageiros.
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Na primeira modalidade, a prestação do serviço ocorre em regime de Direito Privado, em que um particular contrata a empresa para a realização de determinado transporte, com o preço livremente pactuado entre as partes. Já na segunda modalidade, a empresa atua como permissionária ou concessionária do Poder Público, executando o transporte coletivo em linhas regulares e de caráter essencial. A prestação desta espécie de serviço é regulada pelo Direito Público, sendo que a autorização para a sua prestação depende de prévio procedimento licitatório. A remuneração se dá por meio de tarifas, cujo valor e critério de reajuste dependem do que foi estabelecido em contrato administrativo. Assim, a contar da publicação do citado Ato Declaratório Interpretativo, as primeiras devem ser tributadas pelo sistema não-cumulativo do PIS/COFINS e as segundas segundo o sistema cumulativo. Aquelas empresas que prestem ambos os serviços deverão segregar tais receitas e aplicar o regime competente a cada uma delas.
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Todavia, o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 23/2008 não ultrapassa o primeiro exame de sua legalidade e constitucionalidade.
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Com efeito, o art. 10, inciso XII, da Lei 10.833/03 prevê que as receitas decorrentes de prestação de serviços de transporte coletivo rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros permanecem sujeitas ao regime cumulativo do PIS/COFINS, sem fazer qualquer distinção entre transporte público ou por fretamento/turístico.
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Ora, se a lei não faz qualquer distinção, não é dado a Receita Federal assim fazê-lo. Tal entendimento viola um dos mais básicos brocardos jurídicos, qual seja, Ubi Lex Non Distinguit Nec Nos Distinguire Debemus (em bom português: onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer distinções). A Lei nº 10.833/03 aplica indistintamente o regime cumulativo de tributação do PIS/COFINS às empresas de transporte coletivo de passageiros, indepentemente da forma pela qual é prestado este serviço. Não há um artigo, um parágrafo, um inciso, uma alínea, uma palavra sequer a alicerçar entendimento em contrário, salvo o exercício de imaginação daqueles que pretendem abarrotar cada vez mais os cofres públicos, ainda que à margem da legalidade. Isto porque este Ato Declaratório Interpretativo extrapolou a sua competência, criando situações sem qualquer espécie de previsão legal ou respaldo no mundo jurídico. Assim o fazendo, violou o "Princípio da Legalidade", insculpido nos arts. 5°, inciso II, e 150, inciso I, ambos da Constituição Federal e no art. 97 do CTN.
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A intenção da Receita Federal ao fazer esta distinção é simplesmente promover o aumento da arrecadação. Consabido é que o maior custo dos prestadores de serviços está na folha de salários, isto é, no pagamento dos profissionais que permitem à empresa desenvolver a sua atividade. Como tais pagamentos não geram créditos de PIS/COFINS, a migração para o sistema não-cumulativo acarretará a efetiva elevação da carga tributária dos prestadores de serviços, uma vez que estes fazem pouca utilização daqueles insumos que legalmente autorizam o creditamento.
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A prestação de serviços compreende, geralmente, uma única operação, caracterizando-se pela ausência de uma cadeia de produção longa tal qual se verifica nas atividades industriais e comerciais, em que ocorrem várias etapas até que o produto industrializado chegue às mãos do consumidor final. Em outras palavras, a prestação serviços é iniciada e concluída numa mesma etapa, sendo realizada diretamente pelo prestador ao destinatário final do serviço, sem intermediações. O que existe é uma relação única entre o prestador e tomador do serviço prestado, não existindo qualquer relação anterior a esta. Por este motivo, os contribuintes que atuam neste setor da economia não acumulam créditos significativos.
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Assim, a migração de parte das receitas dos transportadores coletivos de passageiros para o regime não-cumulativo produzirá inconstitucional e ilegal elevação da carga tributária. Antes do Ato Declaratório Interpretativo, a COFINS incidia à alíquota de 3% sobre todas as receitas dos tranportadores coletivos de passageiros. Passando para a não-cumulatividade, este percentual aumentou para 7,6%, o que corresponde a um aumento de 153,33% em sua carga tributária. O mesmo ocorreu com o PIS, cuja alíquota passou de 0,65% para 1,65%, aumento correspondente a 107,25%. Certamente, para evitar tal distorção é que todas as receitas decorrentes do transporte coletivo de passageiros, sem distinção, permaneceram legalmente no regime cumulativo do PIS/COFINS, diversamente do que entende a Receita Federal.
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Agora, espera-se que o Poder Judiciário atenda às expectivas, excluindo do sistema as ilegalidades e inconstitucionalidades constatadas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Andrei,

Percebida com clareza tal questão. É fato, que muitas vezes, falta sensibilidade na imposição tributária nacional. Essa interpretação absurdamente equivocada do ponto de vista material e formal por parte dos técnicos da Receita Federal é espelho perfeito da maquinação fiscal brasileira.

Felizmente, nesse caso, o desacerto não demorou, ainda que causasse algum estrago, durante o período de sua curta vigência, cujo reparo deve ser buscado pelos contribuintes atingidos, via repetição do indébito administrativa ou mesmo judicialmente.

O Referido Ato Declaratório Interpretativo, muito bem por você questionado, não se coadunava com a legislação vertente.

É tão verdade que já foi revogado por outro ato da mesma hierarquia - ADI 27, de 07/10/2008
dando a exata intepretação dos dispositivos da Lei 10.833/2003, sem as ressalvas intentadas, mas não previstas na Lei, além de uniformizar a tributação do PIS / COFINS que incide na atividade de prestação de serviços de transportes coletivos de passageiros.

Revista a confusão, aplicam-se às prestações de serviços de transporte coletivo de passageiros, inclusive na modalidade de fretamento ou para fins turísticos (afastada na ADI 23), o regime de apuração cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), nos termos do art. 1º da ADI (Ato Declaratório Interpretativo)27 da gloriosa Receita Federal do Brasil.

José Raimundo Conceição
Savador - BA
Mestrando em Administração Estratégica (UNIFACS)