Muito se tem discutido a respeito da possibilidade de inscrição dos contribuintes em débito com a Fazenda Nacional nos órgãos privados de proteção ao crédito, como SPC e SERASA. A discussão em sua maioria centra-se na constitucionalidade/legalidade de assim proceder a Procuradoria da Fazenda Nacional.
O principal argumento que conforta a tese daqueles que defendem a possibilidade de inscrição é o de que a medida irá aumentar a arrecadação e diminuir a inadimplência. Sendo os tributos a principal fonte de receita do Estado Nacional e destinando-se a custear a realização do bem comum através da implementação de Direitos Fundamentais do Cidadão, como saúde, educação e moradia, nada mais justo do que agilizar a cobrança destes créditos.
Entretanto, sabe-se que a imposição tributária é e sempre foi a maior manifestação do Poder de Império do Estado, que avança sobre o patrimônio do particular, expropriando-o de acordo com os ditames constitucionais e legais. Aqui percebe-se uma mitigação de uma série de princípios e garantias do indivíduo, como a proteção da propriedade privada (art. 5º, caput e incisos XXII e XXIV, da Constituição Federal). Sinale-se que tal mitigação decorre de outros princípios constitucionais implícitos ou explícitos, em especial o da supremacia do interesse público, que, resumidamente, determina a supremacia dos interesses coletivos sobre os individuais. A partir da ponderação de princípios muito bem explicitada por Alexy é que se compõe essa aparente antinomia e se legitima a cobrança dos tributos: em que pese a propriedade privada ser protegida, em certos casos e ao abrigo da constitucionalidade e da legalidade, pode o Poder Público exproriar o patrimônio privado para cumprir com suas metas coletivas e sociais. Sem dúvida, em uma escala valorativa os interesses coletivos sobrepõem-se aos interesses particulares.
Em que pese a supremacia do interesse público sobre o particular, a expropriação do patrimônio privado tendo em vista a cobrança do tributo deve seguir um procedimento rigidamente delineado, decorrência dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da legalidade e do livre exercício das atividades. Aqui fundamentam-se as razões daqueles que se opõem à inscrição dos devedores fiscais em órgãos privados de proteção ao crédito. A previsão de liquidez, certeza e exigibilidade do crédito tributário é relativa, podendo-se desfazer por meio de processo judicial e/ou administrativo. Nesse sentido, a inscrição caracterizaria meio de coação e, portanto, via transversa de cobrança, o que o STF já assentou ser inconstitucional, conforme as suas Súmulas 70, 323 e 547. Além disso, é clara quebra de sigilo fiscal.
Com efeito, parece que a razão está com está última posição, que não admite a inscrição, especialmente porque não pode a Fazenda Pública se afastar dos procedimentos prescritos na Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80) para realizar seus créditos.
O que grande parte da doutrina não está percebendo é que esta medida irá criar uma nova "avalanche" de ações judiciais, tal qual verificamos nas atuais demandas contra as instituições financeiras e companhias de telefonia pública, que comprovadamente são as empresas mais demandadas em razão da inscrição indevida de consumidores nos órgãos restritivos de crédito.
Podemos apontar duas das principais demandas. O Superior Tribunal de Justiça já tem forte jurisprudência no sentido de que em havendo discussão judicial acerca do débito objeto da inscrição poderá ser deferida liminar determinando a exclusão dos cadastros, desde que concorram os outros requisitos para o provimento cautelar ou tutela antecipada. Não é difícil imaginar a série de ações judiciais que serão propostas utilizando tal entendimento. Enquanto tramitar o processo em que deferida a liminar estarão os contribuintes imunes à negativação.
Na mesma esteira, também não serão poucas as ações objetivando a indenização por dano moral decorrente da inscrição indevida. Consabido é que a negativação do nome dos consumidores no banco de dados dos inadimplentes gera uma série de dificuldades, como realizar compras a prazo ou financiamentos. Não será diferente para os contribuintes indevidamente inscritos no cadastro da Fazenda, que terão grandes dificuldades na obtenção de crédito no mercado e até mesmo em adquirir produtos de fornecedores. Também restarão prejudicados para participar de qualquer licitação ou concorrência pública. Sinale-se que ainda é possível encontrar uma série de execuções fiscais com débitos prescritos e débitos de longa data inscritos em dívida ativa que sequer foram executados. Obviamente que todos os danos daí decorrentes, sejam eles materiais ou morais, haverão de ser indenizados pelo responsável pela negativação, no caso a União.
Vê-se, portanto, que a União, tencionando agilizar a cobrança de seus créditos através do constrangimento do contribuinte, está também criando um grande passivo pecuniário, decorrente das prováveis indenizações que haverá de pagar pela inscrição indevida, bem como de ações judiciais contestando os débitos e a própria inscirção.
A questão será resolvida pelo velho custo-benefício, isto é, se os valores auferidos pela União mediante o constrangimento indevido superarem os ônus das demandas judiciais que terá de suportar terá válido a pena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário