Há anos vinha-se questionando a legislação do Município de Porto Alegre relativa ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU. A celeuma surgiu com a alteração do
art. 5º da Lei Complementar n.º 7/73 pela Lei Complementar n.º 212/89. Tal inovação previa a progressividade de alíquotas em razão do valor venal do imóvel, isto é, quanto maior o valor venal, maior a alíquota aplicável e, por conseqüência, maior o valor a ser recolhido.
Em razão desta modificação, passaram os contribuintes a questionar a constitucionalidade da progressividade, na medida em que não existia nenhuma autorização constitucional para que o IPTU fosse assim exigido. O principal fundamento desta tese era o de que a Constituição Federal autorizava a progressividade apenas para os tributos chamados de pessoais e não para os reais, conforme seu art. 145, § 1º.
O IPTU caracteriza-se como um imposto real, isto é, o seu fato gerador leva em consideração apenas a realidade tributável sem qualquer vinculação com a pessoa e as condições do sujeito passivo. O fato tributário, no caso a propriedade do imóvel, é um valor que pode ser mensurado independentemente de qualquer condição da pessoa do contribuinte. Tal não ocorre nos impostos pessoais, onde são consideradas as condições individuais do contribuinte, como saúde e despesas. Nestes tributos, estas condições têm vinculação direta com o fato tributado, como é o caso do Imposto de Renda, em que para se computar a renda auferida no ano-calendário leva-se em consideração todas as despesas e rendimentos do contribuinte, respeitados certos limites legais. Sem sombra de dúvidas, tais despesas e rendimentos variam de pessoa para pessoa.
A questão da inconstitucionalidade ou não da progressividade do IPTU já está superada há muito tempo. Primeiro, porque a
Emenda Constitucional n.º 29/2000 alterou o 156, § 1º, da Constituição Federal autorizando expressamente a progressividade. Segundo, porque a legislação do município de Porto Alegre foi adequada para encerrar a "enxurrada" de ações judiciais. Terceiro, porque o STF editou a Súmula n.º 668, que afirma a inconstitucionalidade das legislações municipais anteriores a Emenda Constitucional n.º 29/2000 que prevejam a progressividade do IPTU.
Apesar de já ser ponto pacífico a inconstitucionalidade desta progressividade, o Supremo Tribunal Federal não consegue firmar uma jurisprudência quanto à extensão desta inconstitucionalidade.
Relativamente ao caso específico do Município de Porto Alegre, podemos destacar três posicionamentos divergentes tomados pelo STF em três decisões monocráticas distintas. A primeira delas de Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, tomada no Recurso Extraordinário n.º 473693, publicada em 31/10/2006, que afirma que em razão da inconstitucionalidade da progressividade nada é devido a título de IPTU. Portanto, com direito à repetição integral dos valores pagos. A segunda, de Relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, proferida no Recurso Extraordinário n.º 401572, publicada em 02/06/2006, que determina a aplicação da menor alíquota prevista na legislação declarada inconstitucional, no caso a Lei Complementar n.º 212/89. A terceira, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário n.º 467432, publicada em 22/06/2007, que determina a aplicação da alíquota prevista na redação original do art. 5º da Lei Complementar n.º 7/73, desconsiderando apenas a alteração promovida pela Lei complementar n.º 212/89.
A principal função do STF é a de interpretar a Constituição Federal, determinando o sentido e o alcance de todas as suas previsões, sejam elas explícitas ou implícitas. Por isso perguntamos: no caso da progressividade do IPTU, qual é a interpretação correta?
Obviamente o STF ainda não está em condições de nos dar esta resposta, principalmente por que a decisão tomada monocraticamente pressupõe uma jurisprudência pacificada, conforme o art. 557 do Código de Processo Civil.
Entretanto, temos de afirmar que a razão está ao lado do hoje Ministro aposentado Sepúlveda Pertence. É que a lei ou o dispositivo legal declarado inconstitucional é inválido e insuscetível de aplicação. Por isso, não é possível a aplicação da menor alíquota prevista na legislação declarada inconstitucional. Da mesma forma, o sistema jurídico brasileiro não autoriza a repristinação da lei. Uma vez que a lei tenha sido revogada, ainda que por legislação posteriormente declarada inconstitucional, ela não volta a produzir efeitos.
O que mais atormenta, contudo, é a insegurança jurídica que tais temas trazem à comunidade. Divergências como estas, que são comuns tanto no STF, como no STJ (veja-se o caso do crédito presumido de IPI), não permitem que o contribuinte planeje a sua vida fiscal e financeira, além de aumentar o descrédito e a desconfiança que a sociedade atualmente nutre pelo Poder Judiciário. Chegamos ao ponto de deixar a Justiça em segundo plano. Não interessa mais se a decisão proferida por determinado tribunal é a mais justa; o importante é que se tenha segurança com relação aos procedimentos que os cidadãos devam adotar em seu cotidiano, o que só é permitido através de cortes superiores com posicionamentos coerentes e definidos. Não estamos defendendo uma jurisprudência estanque, já que a sua evolução decorre da inevitável evolução da sociedade, mas sim a coerência nas decisões judiciais. Se determinado posicionamento deve ser mudado, que se mude. No entanto, decisões divergentes sobre a mesma matéria dentro de tribunais superiores, especialmente em decisões monocráticas, em nada contribuem para a segurança jurídica e para a imagem do Poder Judiciário.
Apercebendo-se deste problema, o STF decidiu encaminhar para o Plenário quatro Recursos Extraordinários, a fim de que a questão aqui exposta seja decidida com ares de definitividade, conforme seu
Informativo de Jurisprudência n.º 483.
Espera-se que a coerência prevaleça nesta decisão e que a segurança jurídica não reste comprometida.