O que era para ser simples está cada vez mais complexo. A publicação da Lei Complementar n.º 123/06 instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e teve como principal característica a centralização na pessoa política da União do recolhimento de determinados tributos federais, estaduais e municipais. Esta inovação legislativa foi apregoada como a solução para um sistema tributário inchado, que massacra o contribuinte com uma carga tributária que alcança cerca de 50% do seu faturamento anual e com uma série infindável de obrigações acessórias (apresentação de declarações, preenchimento de guias, escrituração de livros, formulários virtuais, etc.).
Entretanto, para aqueles que desde o início começaram a estudar e operar com esse novo sistema, sejam eles empresários, contabilistas ou advogados, a prática tem demonstrado que o "Supersimples" tem de simples só o nome.
O primeiro contato com a Lei Complementar n.º 123/06 já foi um problema e, porque não, um trauma para o empresário. Alguém acredita que o proprietário de uma microempresa ou de uma empresa de pequeno porte tem condições de analisar e interpretar uma Lei com mais de 89 artigos repleta de termos técnicos? Se antes conseguia levar seu negócio independentemente de profissional contábil ou jurídico, agora terá de contar com ambos. O contabilista para apurar o valor a recolher, efetuar os registros contábeis e preencher as declarações. O jurídico para assessorá-lo em questões como a impossibilidade de aderir ao Supersimples porque a sua empresa está em débito e estes débitos estão com a exigibilidade suspensa.
Além disso, a nova sistemática de apuração é trabalhosa. Consiste na aplicação da alíquota prevista nos Anexos da Lei sobre a soma do faturamento dos últimos 12 meses. Ressalte-se que a alíquota aplicável varia conforme o faturamento e a atividade exercida pela empresa. Dúvida também já não há em relação ao prejuízo que a nova legislação trará aos prestadores de serviços. Para grande parte destes será inviável manter-se no sistema, pois não se inclui no valor a recolher a contribuição do empregador para o INSS, o que gerará um incremento significativo da carga tributária.
Feliz deveria ficar o contribuinte se os problemas estivessem centrados apenas na Lei Complementar n.º 123/06. Ocorre que esta Lei vem acompanhada de farta legislação hierarquicamente inferior, também de difícil interpretação e até mesmo de compatibilização com o sistema. Até o presente momento, em que o Supersimples conta com pouco mais de um mês de vigência, já o regulamentam no âmbito federal uma lei complementar, dois decretos (6.038/07 e 6.174/07), quatro instruções normativas da Receita Federal do Brasil (n.ºs 750, 755, 762 e 763), uma Portaria Conjunta PFGN/RFB (n.º 004), duas portarias do Ministério da Fazenda (n.ºs n.º 44 e n.º 73), duas portarias do Comitê Gestor do Simples Nacional (n.ºs 001 e 002), uma recomendação do Comitê Gestor do Simples Nacional (n.º 001) e dezesseis resoluções do mesmo Comitê Gestor do Simples Nacional. Além disso, ainda tem-se toda a legislação dos Estados e dos Municípios que também fazem parte do Simples Nacional e devem regular diversos pontos, como, por exemplo, o parcelamento dos débitos. Se a interpretação e o acompanhamento desta legislação são difíceis por contabilistas e advogados, imagine para o microempresário e para o empresário de pequeno porte.
E o pior é que a maior dificuldade não está na extensão da legislação, mas sim nas inconstitucionalidades e ilegalidades que ela patrocina e que já começam a ser apontadas pela doutrina especializada, como a obrigatoriedade de parcelar os débitos e de desistir de processos administrativos e ações judiciais que questionam as dívidas tributárias para aderir ou migrar para o novo sistema. Aliás, a mais recente celeuma em evidência é a migração e/ou adesão ao Supersimples. Criou-se muita confusão: empresários não sabiam o montante dos seus débitos, quais débitos teriam de parcelar, como ficariam os débitos objetos de outros parcelamentos, por que a adesão ao parcelamento implica o pagamento de parcelas muito mais elevadas do que outros parcelamentos, quais eram os prazos, etc. Por este motivo, o Comitê Gestor do Simples Nacional prorrogou por 15 dias o prazo originalmente previsto para opção pelo novo sistema.
A Lei Complementar n.º 123/06 também já começa a ser questionada judicialmente. O portal oficial do Supremo Tribunal Federal já noticiou o ajuizamento de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 3903, 3906 e 3933) atacando diversos dispositivos desta lei. Espera-se, ainda, uma série de ações judiciais individuais. Da mesma forma, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar n.º 43/2007, que altera a Lei Complementar n.º 123/06 em diversos pontos.
Definitivamente, apesar de alguns benefícios alcançados, o que era para ser simples está cada vez mais complexo.
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