Tramita no Congresso Nacional projeto de emenda constitucional que prorroga a cobrança da CPMF. Tal contribuição há muito deixou de ser provisória e há mais de dez anos vem gerando intermináveis debates. Inicialmente, as controvérsias centraram-se na constitucionalidade de sua instituição e cobrança, todas afastadas pelo Supremo Tribunal Federal. Hoje em dia, o principal ponto de discordância é que o produto de sua arrecadação não está sendo destinado para o financiamento da saúde pública, como determinado pela Constituição Federal, mas sim para o caixa geral da União.
Fato é que o Governo Federal tornou-se dependente de sua arrecadação, que no ano passado chegou a R$ 32 bilhões. Neste ano, espera-se que alcance R$ 35 bilhões e, para 2008, a Lei de Diretrizes Orçamentárias já conta com o R$ 39 bilhões previstos. Estes dados deixam claro que são mínimas as possibilidades de o projeto de emenda constitucional não ser aprovado.
De outra parte, como já referido, provavelmente todas as inconstitucionalidades que venham a ser alegadas contra esta emenda serão rejeitadas, na medida em que o STF já tem farta jurisprudência em favor da CPMF. Inclusive, já se afirma que a CPMF renovada não precisará respeitar o prinípio da anterioridade e da noventena para que passe a viger e ser exigida, como já decidiu o STF em oportunidades anteriores.
Em razão disso, a prorrogação, que ao meu ver é inevitável, não deve ser a maior preocupação do contribuinte, mas sim a efetiva destinação do produto da arrecadação para a finalidade a que se destina, no caso, a saúde.
A Constituição Federal é taxativa ao denominar em seu
art. 145, incisos I, II e III, que as espécies tributárias são impostos, taxas e contribuições de melhoria. Os impostos são tributos
desvinculados de qualquer atividade estatal, isto é, a sua hipótese material de incidência não prevê nenhum comportamento específico do Estado (entendido em sentido lato) em favor do contribuinte que o paga. Já as taxas e as contribuições de melhoria são tributos
vinculados a uma atividade estatal, uma vez que a sua hipótese material de incidência prescreve um comportamento específico do estado em favor do contribuinte que arca com seu ônus. No caso das taxas este comportamento se manifesta no exercício do poder de polícia ou na utilização, efetiva ou potencial, de um serviço público específico e divisível. Já nas contribuições de melhoria o comportamento estatal necessariamente é a realização de uma obra pública que importe valorização dos bens do particular.
As contribuições especiais (gênero do qual são espécies as contribuições sociais, as contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de iluminação pública) e os empréstimos compulsórios não são arrolados pelo art. 145 e incisos da Constituição Federal como espécies de tributos, o que gerou uma série de controvérsias sobre a sua natureza tributária ou não. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 138.284-8/CE, DJ de 28/08/92, entendeu que estas exações são tributos, superando-se aí está celeuma.
Definida a natureza tributária das contribuições especiais e dos empréstimos compulsórios, a questão passou a ser outra: tais tributos eram espécies autônomas ou enquadravam-se nos conceitos de impostos, taxas e contribuições de melhoria?
Para boa parte da doutrina, as contribuições especiais, como a CPMF, e os empréstimos compulsórios não são autônomos. Analisando a materialidade da incidência destes tributos,
Sacha Calmon Navarro Coelho conclui que as primeiras seriam impostos com destinação específica, uma vez que todas as contribuições especiais instituídas até hoje seriam tributos desvinculados de uma atividade estatal, diferenciando-se dos demais impostos apenas pelo fato de terem a sua arrecadação constitucionalmente destinada para um fim específico, no caso da CPMF a saúde. Os segundos seriam impostos restituíveis, na medida em que também são desvinculados de uma atividade estatal, mas tem um dado essencial diferenciador que é a previsão constitucional de restituição do valor pago após certo tempo.
Outra parte da doutrina, a mais moderna, vem entendendo que as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios são espécies tributárias diferentes das três espécies clássicas previstas no art. 145 da Constituição Federal. Nessa visão, a previsão constitucional da destinação da arrecadação e da restituição seriam dados suficientes para determinar esta diferenciação.
Entretanto, em que pese tais controvérsias e a posição que cada um adote sobre este tema, cumpre-nos fazer um questionamento: a previsão constitucional de que as contribuições especiais tenham a sua arrecadação destinada para determinado fim é suficiente para que o administrador assim proceda? A princípio, a resposta parece ser negativa, já que é de sabença pública que o produto desta arrecadação está sendo direcionado para o caixa geral da União, a fim de custear suas despesas gerais e não o fim a que foram instituídas. O exemplo da CPMF é contudente - com uma arrecadação anual de mais R$ 30 bilhões não estaríamos usufruindo de um melhor sistema de saúde? Com esta importância, o problema nacional da saúde pública até poderia não estar equalizado, mas certamente estaria longe do caos hoje instaurado.
Nesse sentido, mostrando-se que as disposições constitucionais que destinam o produto da arrecadação das contribuições especiais para determinados fins não são suficientes para que o administrador assim proceda e que o Poder Judiciário faz vistas grossas para o problema, devem ser estudadas novas alternativas pelos teóricos do Direito e, principalmente, pelo legislador para que seja o administrador compelido a proceder como manda a Constituição Federal.
A conclusão, portanto, é uma só: a Constituição Federal nas mãos de maus administradores não passa de palavras ao vento!